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Degustação


A segunda-feira parecia igual a tantas outras e Vítor cumpria sua rotina. Acordou às cinco horas, fez seus exercícios diários numa pequena academia improvisada em um dos quartos de sua humilde casa, tomou banho, café, arrumou-se, beijou suas duas mulheres e foi ao trabalho. Um escritório de Contabilidade de porte médio, onde desempenhava com maestria seu papel de Gerente Contábil. No entanto naquele dia algo o incomodava e ao certo não sabia o que, até seu chefe chamá-lo a sua sala por volta das dez horas.
Antenore era um senhor de sessenta anos, descendente de italianos que viera para o Brasil aos cinco anos de idade e aqui crescera, vendo e aprendendo com seus pais a administrar os negócios da família. Com um porte avantajado e cerca de um metro e noventa de altura, tinha olhos azuis, um bigode farto tão quanto sua careca e sua pança! Arrotava ser justo e imparcial nas suas decisões, desde que não tivesse que escolher entre um par de pernas grossas, seios fartos e quaisquer outras coisas. Tinha uma filha que pouco ou nada se interessava nos negócios e uma mulher exageradamente extravagante, bela e controladora! 
Ao bater à porta da sala Vítor foi recebido com um pigarrear de garganta, um sorriso e logo após um cumprimento formal e melancólico:
- Olá, Vítor! Entre e sente-se, por favor! Como estão Luana e Camila?
- Estão bem, Sr. Antenore! E Sofia e Gianine?
- Que mal vai, Vítor? Gianine está crescendo e ficando mais bela a cada dia e a mãe gastando na mesma proporção! Porém vamos direto ao assunto, Vítor. Como sabe a empresa está passando por um momento difícil, perdemos diversos contratos e você é um dos funcionários mais antigos e tem um dos maiores salários da empresa. Após pensar muito, conversar com alguns diretores da empresa decidimos que não mais poderemos contar com seus excelentes serviços. Para mim foi muito difícil chegar a esta conclusão, visto que há onze anos trabalhamos juntos, mas sei que logo estará em outra empresa, quem sabe maior, com salário e benefícios melhores.
Vítor ouviu tudo calado e parecia não acreditar! Ainda ontem fora elogiado, premiado, parecia ser insubstituível e agora estava sendo educadamente tolhido de ter um emprego, de dar o melhor à sua família! O chão fugiu aos seus pés!
- Não vai dizer nada, Vítor? Indagou o chefe.
- Estou surpreso, Sr. Antenore! Não sei o que dizer! Dizendo isto, levantou-se e caminhou até a porta, atônito.
As palavras ecoavam aos seus ouvidos e ainda não acreditando, sob os olhares de todos na empresa dirigiu-se ao setor pessoal, assinou alguns papéis e saiu em direção ao carro. Nunca o caminho até a garagem fora tão longo, tão triste, tão pesado! Entrou no carro e debruçou-se sobre o volante e então começou a lembrar do caminho percorrido nestes onze anos até ali. Lembrou-se de quando se formou e aos vinte anos saiu à procura de sua primeira experiência como contador. Um jovem ansioso por mostrar ao mundo tudo que havia aprendido e do que era capaz em sua área de atuação. Pensava em logo começar a trabalhar para pedir sua linda Luana em casamento e ver em seu rosto a felicidade estampada. Naquele mesmo dia recebeu a ligação da A&L Contabilidade e do outro lado a voz suave de Ana, a secretária, convidando-o para participar de uma seleção, essa que seria a única de toda a sua vida até aquele fatídico dia. Passou por todas as etapas com destreza e em uma semana era o mais novo funcionário da empresa. As pessoas olhavam com ar de desconfiança aquele jovem negro, no alto de seus um metro e noventa e dois centímetros, cabelos bem cortados, cavanhaque e um par de olhos castanhos claros e perscrutadores. Parecia que a cada dia lhe lançavam um novo desafio, para testarem suas habilidades, aos poucos foi galgando sucesso e respeito dentro da empresa. Mas a maior de todas as suas ambições conquistou onze meses depois de iniciar suas atividades na A&L Contabilidade, ao ver aquela mulher de cabelos negros, olhos verdes, sorriso doce e um corpo escultural entrar na igreja dentro de um lindo vestido branco, conotando a pureza daquela que seria sua esposa para sempre. Talvez, estas conquistas tenham fechado os olhos de Vítor para outros horizontes, uma vez que, um ano depois nascia sua filha Camila. A partir daí ele não via mais nada, não vivia para mais ninguém a não ser sua mulher e sua filha. 
Luana trabalhava como auxiliar administrativo numa empresa de varejo e somando-se os dois salários tinha uma vida que poderia se chamar de estável. Durante cinco anos trabalharam em prol de comprar a casa própria e logo após um carro. Tinham uma vida que se não era perfeita, beirava à perfeição. Amava sua esposa e sentia-se amado. Um amor que se renovava a cada dia, a cada gesto e sua felicidade era completada com a pequena Camila que era um doce de criança. Uma mulatinha linda, de cabelos encaracolados, olhos esverdeados e um sorriso encantador. Muito inteligente e inquieta, era o prêmio que toda relação bem-sucedida merecia. De repente, Vítor sentiu uma tristeza mais profunda ainda, cerrou os punhos, socou o volante e em voz alta disse:
- Eu não posso deixar me derrotar! Tenho que chegar a casa de cabeça erguida!
Ligou o carro e partiu para o aconchego de seu lar. Sabia que àquela hora estaria sozinho em casa, pois suas mulheres ao contrário dele cumpriam sua rotina. Chegando a casa Vítor sentiu-se estranho em sua própria casa, incomodado por estar chegando àquela hora. A casa parecia maior, parecia diferente! Atirou-se ao sofá e deixou as lágrimas caírem, precisava estar renovado quando suas mulheres chegassem, já que não cabia ao homem da casa, ao sustentáculo daquelas mulheres, estar derrotado. Tinha que passar para elas que as coisas mudariam sim, mas para melhores! Que aquela era apenas uma fase e que seriam sempre felizes e unidos, não importasse o que ocorresse! Passava do meio-dia quando a pequena Camila entrou em casa e ao ver o pai deitado no sofá atirou-se por cima dele gritando:
- Papai! Meu pai já chegou!
Enchendo-lhe de beijos, ele a abraçou, fez cócegas e perguntou:
- Como foi o dia na escola hoje, minha princesa?
- Ah, papai... foi bom! 
- E as notas, como estão?
- Hum... tão boas, né pai! 
A
os dez anos Camila ainda não tinha a noção de que o pai estar em casa naquele horário, naquele dia da semana, podia representar algo ruim. Para ela era uma festa ele estar ali com ela, brincando, contando histórias e almoçando juntos. Amou a ideia de ir buscar a mãe no trabalho e depois irem comer pizza. Tudo era festa! O que mais incomodava Vítor era contar a novidade à esposa. Não que ela não fosse entender, mas, por que Luana era mulher que veio de uma família de classe média- alta, que sempre teve tudo que quis, gostava de comprar, passear e ele não sabia como receberia a notícia. Os caminhos de Luana e Vítor tinham uma possibilidade mínima de se cruzarem e isto só aconteceu por que ele conseguiu uma bolsa num projeto educacional do governo e foi estudar numa faculdade particular e mesmo assim, as possibilidades continuavam poucas, uma vez que faziam cursos diferentes, estudavam em pavilhões diferentes. Mas uma feira de negócios os apresentou! Durante a feira ele estava num stand e ela com as amigas visitando a feira, quando os olhares se cruzaram. E quando os olhos se conectam, não tem jeito! Ela ainda tentou relutar, fugir ao destino, contudo, Vítor sabia que ela seria a mulher de sua vida! No começo foi difícil, pois ele vinha de uma família muito humilde que morava no IAPI, um bairro de classe média baixa, com sua mãe costureira desde sempre e ela em Brotas, vinda de uma família que já fora tradicional, havia perdido um pouco de espaço, dinheiro, mas mantinha a arrogância e o preconceito. Foi difícil para eles, mas Luana era uma mulher que sabia o que queria e aos dezoito anos impôs, convenceu sua família que não haveria jeito de se afastar de Vítor. 
Primeiro convenceu a mãe, uma senhora de sorriso fácil e encantador que vivera aquele mesmo sentimento com seu pai e ainda mais nova, aos quinze anos, quando se apaixonara. Depois, envolveu sua avó e por fim, seu pai rendeu-se ao amor dos dois! Mesmo com todos convencidos que se amavam, não se viam constantemente, já que, muitas vezes ele tinha que optar entre ir a casa dela nos finais de semana ou ir à faculdade durante a semana, dinheiro não era um artigo que pudesse esbanjar e como Luana era muito decidida e impulsiva muitas vezes, dormia na casa dele nos finais de semana o que desagradava aos pais e mantinha o clima tenso entre as famílias. 
Com seu jeito tranquilo, persuasivo Vítor foi aos poucos conquistando a família de Luana e conseguindo controlar os impulsos da moça, entretanto a situação que se apresentava agora era para ele embaraçosa e no fundo sentia vergonha por estar desempregado. 
Brincar com a filha era algo que despendia muita energia, tempo e a tarde caiu pesada sem que se desse conta, já estava na hora de buscar Luana no trabalho e enfrentar a nova realidade. Para um homem que passava a maior parte dos dias no trabalho, ele demonstrava certa habilidade ao arrumar a filha! Vestiu a pequena Camila com uma bermuda jeans, uma blusa branca com um casaco rosa por cima e um tênis também rosa, beijo-a, pegou-a pela mão e saíram em direção a garagem brincando. O caminho da Ribeira até Brotas foi tranquilo, apesar dos pequenos engarrafamentos no caminho. 
Chegaram ao trabalho de Luana e Camila saiu correndo ao encontro da mãe, que surpresa tinha os olhos brilhando de felicidade por ter sua família ali e depois de beijar a filha e o esposo perguntou:
- Que surpresa boa é essa? Sentiram saudades, foi?
Agarrada ao pescoço da mãe Camila disse:
- Mãe, o papai vai levar a gente para comer pizza!
- Hum! Que bom! Qual é o motivo da festa, hein?
Vítor nada dizia, apenas olhava para as mulheres de sua vida e interiormente agradecia a Deus por ter-lhe dado tantas bênçãos. Caminharam de mãos dadas e foram em direção ao carro onde decidiram ir a uma pizzaria mais próxima de casa. Durante o jantar tudo transcorria na maior normalidade com Luana e Camila sorrindo, brincando e escolhendo os sabores das pizzas. Fora realmente uma ótima ideia ter saído com elas, pois Vítor estava mais leve, mais aliviado. Chegaram a casa e Luana foi logo cuidar de colocar a princesinha para tomar banho e dormir. Ao entrar no quarto, Luana foi logo disparando:
- O que aconteceu, meu amor?
Ele sorriu e indagou:
- Não consigo esconder nada de você, não é?
- E você pretendia? Brincou ela.
- Fui demitido!
- Já havia imaginado! E o que pretende fazer, amor?
- Não sei, Lu, não sei!
Permaneceram em silêncio por alguns instantes e então ela disse:
- Não é o fim do mundo! Além do que aquele velho sacana nunca deu o valor que você merece! Deveríamos era comemorar!
- Já comemoramos, disse ele!
Ambos caíram na gargalhada e ela foi tomar banho. Quando voltou, enrolada na toalha encontrou o marido olhando-a com cara de criança que quer aprontar e perguntou?
- Que passa nesta cabecinha?
Ele arrancou-lhe a toalha, envolveu-a pela cintura, deu-lhe um longo beijo e puxou-a para a cama, beijando-lhe o pescoço, a nuca, os seios... Luana deixava escapar longínquos gemidos que foram tornando-se cada vez mais alto ao passo que ele mergulhava por entre suas pernas, lambendo seu sexo ardorosamente. Pequenos espasmos foram surgindo, seu corpo se contorcia! Delirando Luana mordia os lábios, cravava as unhas nas costas do marido e gozava, gozava, e gozava... Vítor coloca-a de costas e invadiu-lhe o centro virilmente, estocando seguidamente sua fêmea até sentir o prazer desfalecer-lhe o mastro, agonizante! Permaneceram ali, sentindo o cheiro do prazer do outro, a pele adormecendo aos poucos o desejo que antes eclodira, sentindo tudo que a vida lhes havia proporcionado! Nada naquele momento seria capaz de separá-los, de fazer com que aqueles corpos se desgrudassem! Pareciam viver um sonho! Um sonho sem hora para despertar, eterno até que o despertador tocasse! Pularam da cama assustados! No lençol a prova de uma de muitas noites maravilhosas! Olharam-se, sorriram e beijaram-se desejando que aquele amor jamais se acabasse e de repente lembraram-se que a vida é muito maior que aquele quarto, um novo dia começava e as obrigações diárias os reclamavam! 
Luana levantou-se apressada, pois, sabia que em instantes Camila iria surgir, gritando que estava na hora de ir para escola, que estava com fome... Vítor tomou seu banho e foi exercitasse como sempre fazia e pensou no que faria depois disto. Não havia mais emprego, nem para onde ir! Pensou em olhar os jornais, recomeçar a peregrinação de onze anos atrás e a tristeza pesou sob seus olhos. Neste instante Camila veio-lhe correndo, aos berros:
- Papai! Papai! 
- Oi, filha!
- Me leva para a escola?
Quando pensou em responder viu suas duas mulheres na porta. Um olhar tenro surgiu em sua esposa:
- Amor! Não fica assim! Logo as coisas voltarão ao normal e nós não queremos ver você triste! Não é, princesa da mamãe?
- É! Gritou Camila, abraçando o pai.
A cada abraço, cada sorriso, cada beijo daquelas mulheres ele se sentia renovado! Vivo! 
- Vou levar minhas duas mulheres hoje! Mas não acostumem! Disse ele sorrindo.
Durante o percurso pareciam três crianças brincando. Vítor deixou sua filha na escola e seguiu para levar sua esposa ao trabalho. Luana de repente abaixou a cabeça e começou a abrir o zíper da bermuda de seu marido e ali mesmo começou a sugar seu membro que aos poucos foi acordando e ele surpreso disse:
- Quer mesmo fazer isto?
- Apenas dirija e deixe o resto comigo, respondeu ela.
Vítor estava entre fechar os olhos, parar o carro e o medo de bater! Contudo rendeu-se ao talentoso carinho matutino da esposa e viu-se gemendo de prazer ao volante! Viu-se zigzagueando nas ruas, tentando segurar o pé no acelerador e aquela sensação maravilhosa de ver sua amada alimentando-se de seu prazer, engolindo-o! Com aquele sorriso maroto nos lábios ela levantou a cabeça, lambeu os lábios e fechou seu zíper dizendo:
- Nossa! Já chegamos? Como você pilota bem, amor!
Ele a beijou e disse:
- Você é doida, mas eu te amo! 
- Eu também te amo! Tchau!
Ela desceu do carro, olhou para ele e piscou sorrindo.
Realmente estar em casa com sua família era algo maravilhoso e ele começava a se questionar se valia mesmo à pena a busca por um trabalho melhor, por ganhar mais e mais, se o conforto seria tão ou mais importante para a família do que a união, a alegria de estarem juntos.

"Com uma escrita simples e ao mesmo tempo refinada, Bumerangue é um livro profundo, quente, divertido, cheio de frases e momentos marcantes, além de intensos. Eu realmente me apaixonei e identifiquei com a escrita."

 

Por Sheila Bomfim

Bumerangue foi além das minhas expectativas, inicialmente achei que seria mais um livro erótico onde reinaria apenas sexo e mais sexo. Mas não, existe um enredo por trás das cenas quentes entre Vitor e Luana. Na verdade, no meu ponto de vista esse livro tá mais para um drama “pesado” familiar do que erótico. Nunca senti tanta raiva e nojo de uma personagem como senti de Luana, porém foi ela quem deu um tempero a mais para o enredo. Vitor é um personagem muito carismático, que ganha facilmente o leitor, além de ser muito bem desenvolvido, assim como a personagem Luana e toda as suas mesquinharias.

Mesmo que o drama seja apimentado eroticamente há uma grande carga emocional e no fim um aprendizado que levarei para a vida toda.

Por Wnaderléia Diógenes


"Esse aspecto de “vida real” é mais um dos muitos méritos desse livro".
 
 
http://cafe-literatura8.webnode.com/news/bumerangue-de-gerson-prado/
 


 
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