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Eu te amo

Eu te amo! Essa é uma frase que acredito, a maioria das pessoas gostariam de ouvir. No entanto, ela parece vir carregada de responsabilidades e cobranças que não necessariamente o outro deseja. Quando se profere essa frase, fica quase que implícito que o outro tem alguma culpa por despertar esse sentimento e portanto, precisa cuidar, alimentar, geri-lo e claro, sem o direito a rejeita-lo. Quando mais jovem, sempre que ouvia de alguém essa frase quase que de imediato via um container de cobranças, obrigações e reciprocidades que não me sentia imbuído a ter. Para além disso, existe toda uma construção da pessoa ideal, do único e imutável amor, que acaba por desconstruir o indivíduo. Acorrentar-se a ideia de que não há vida após o fim do relacionamento, se tornar dependente psicológica e emocionalmente do outro é tornar o amor para ambos, um fardo excessivamente pesado. É inegável que a sensação de perda, de frustração e por que não dizer, rejeição é deveras dolorosa e como tal, requer um período de luto, de transição. Não obstante, existem pessoas que, uma vez mergulhadas nesse luto não conseguem fazer a transição e nesse ínterim, são as mulheres as maiores vítimas.

Machos com egos inflados, orgulhos feridos conferem a si próprios o status de dono e proprietário de suas companheiras, em sua maioria, sufocadas ao longo do tempo por maus tratos, tolhidas de suas próprias decisões, escravas do “amor” doentio que disfarçam atitudes e comportamentos machistas em um simples e geralmente não sincero “Eu te amo!”. Incapazes de entregar esse tão professado amor e de lidar com seus medos, frustrações e a perpetuação do machismo se arvoram contra suas parceiras e ex-parceiras julgando, condenando e principalmente executando-as. A julgar pela violência e crueldade com os quais esses crimes são cometidos, diria que o preço cobrado por cada vez em que esses homens desferem suas declarações é infinitamente maior que o sentimento. O antagonismo inicia-se nas manifestações de amor e deslizam pelas soluções ineficazes para a proteção da mulher. As ferramentas criadas até aqui são de grande importância, todavia falham no que diz respeito à proteção física, ao apoio psicológico e principalmente no acolhimento das vítimas. O B.O (Boletim de Ocorrência) não lhes dá garantia de que não serão mais violadas. A medida protetiva não lhes fornece a certeza de que tem sua vida assegurada. Lamentavelmente, durante séculos alimentamos a cultura do machismo e hoje, apesar de muitas mudanças, ainda sofremos os efeitos dessa herança maldita. Vale agora reeducarmo-nos, trilharmos o caminho inverso de tudo que nos foi ensinado sobre as relações e principalmente entendermos que o “Eu te amo!” está num olhar, num abraço, no sorriso afetuoso e principalmente na capacidade de entender as escolhas do outro.

 

Gérson Prado

Por cima do ombros

Não sentia orgulho de ser favela. Nem poderia tê-lo, pois o coturno apressado lhe atinge de todas as formas, as pernas, o estômago já privado e o cabelo. O Black tão bem cuidado, é estigmatizado, devassado. O que lhe resta é a resistência e a consciência de que tudo lhe será negado, não importa quão longe vá, alguém sempre o olhará por cima dos ombros e na casa sempre em construção, são os estampidos que lhe sobressalta o coração, no meio dos escombros, rasgando o ar, lembrando que favela não é nação, lhe impondo a grande realidade que é ser preto, que é ser pobre. A luta é diária, árdua e nada gratificante; a polícia, a milícia, o traficante e após toda a batalha sua única falha está na pele, na raça que lhe tolhe e traça o destino, onde a sociedade desde sempre, ainda que menino, lhe julga, maltrata, destrata e alicia. É quando burlando todas as estatísticas, prognósticos e obstáculos, exibe com orgulho a única forma lhe concedida de ser superior.

Preto, pobre, favelado! Não há como escapar e a sociedade deprecia sua graduação, seu conhecimento e o capital cultural acumulado jamais lhe trará igualdade, pois na comunidade todos estão condenados e o que deveria ser diferencial ofende a autoridade. A botina que pune, também criminaliza, escracha e define: você não pode ser doutor, não pode ser juiz. Carregas na pele a marca da favela que atrai o olhar da desconfiança, o peso da herança, a sentença de ser menor do que quem lhe diz que jamais será melhor. Contudo, sua crença e sua força são maiores. A luta continua companheiro! E é cada vez mais dura. Segue a batida. Nos becos, nos guetos, nos pretos empurrados ao holocausto social. A segurança, publica sua eterna condição de suspeito, dá-lhe na cara, na cabeça no peito e lá do platô emerge uma conspiração para acabar com toda possibilidade, para erradicar tudo que não é nação, legitimar a desigualdade.

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